UMA NOVELA CLÁSSICA

        Um marco da literatura russa, A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstoi, "pode ser considerada o protótipo da novela", segundo o crítico Paulo Ronai. Para ele, numa analogia entre as novelas de todas as nações, "a narrativa de Tolstoi nos parece a mais perfeita e a mais vigorosa, talvez por ter como argumento a própria morte sem disfarces, a transformação gradual de um homem vivo como todos nós em cadáver".
       De fato, trata-se da história de Ivan Ilitch, um burocrata da Rússia czarista. Após cultivar durante anos uma vida honesta e decente, em harmonia com os padrões e conveniências da alta sociedade, Ivan é golpeado por uma moléstia fatal, que o debilita e o arrasta para a morte gradualmente. À medida que seu estado piora, ele se isola cada vez mais, passando a questionar seu passado e o sentido da sua própria vida, que sempre lhe pareceu decente e correta. Entretanto, a dúvida sobre a correção, sobre a legitimidade de sua própria existência, passa a dominá-lo, como neste excerto:

      "Veio-lhe à mente: podia ser verdade aquilo que lhe parecera antes uma impossibilidade total, isto é, que tivesse vivido a sua existência de maneira diversa da devida. (...)

       Quando viu de manhã o criado, depois a mulher, em seguida a filha, o médico, cada um dos movimentos deles, cada uma das suas palavras confirmavam para ele a terrível verdade que se revelara naquela noite. Via neles a si mesmo, tudo aquilo de que vivera, e via claramente que tudo aquilo não era o que devia ser, mas um embuste horrível, descomunal, que ocultava tanto a vida como a morte. A consciência disso aumentou, decuplicou os seus sofrimentos físicos. Ele gemia, revolvia-se e repuxava a roupa, tinha a impressão de que ela o apertava e sufocava. E ele odiava-os por isso".

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